Qualificando o positivo

Marina Pelosi
7 min readDec 10, 2019
Photo by Oscar Keys on Unsplash

Vou te dizer uma coisa meio chata: nosso cérebro mente. Sim. Quando soube disso super duvidei e achei completamente ridículo. Mas, aos poucos, descobri que é a mais pura verdade.

Marina, então meu cérebro é uma má pessoa e não devo confiar nele?

Não. Não é isso. Coitado! Ele não mente porque quer. Além das mentiras que contamos pra nós mesmos — a propósito, são muitas — a Depressão, o Estresse e a Ansiedade podem se instalar no nosso lindo órgão pensante e injetar diversas mentiras lá. A partir disto, ele fica confuso, começa a mentir e nós começamos a acreditar.

Parece doido, mas é sério.

Não sou uma profissional na área, mas sei que isso se chama Distorção Cognitiva. Quando sofremos de Depressão, tendemos a ter nossos pensamentos e emoções manipulados por esse fator e outros, que criam várias ideias em nossa mente e nos fazem acreditar que tudo é realmente verdade.

Essas distorções podem afetar completamente nossa vida e decisões, porque nos fazem enxergar outra realidade, criar ideias do que o outro indivíduo aparentemente está pensando, gerar neuras e mil outras coisas.

Trago um conceito pra clarear um pouco mais nossa ideia:

As distorções cognitivas são basicamente maneiras erradas de processar uma informação, ou seja, interpretações erradas do que ocorre ao nosso redor, gerando múltiplas consequências negativas. As pessoas que sofrem de depressão têm uma visão da realidade na qual as distorções cognitivas exercem um papel principal. Em maior ou menor medida, todos nós podemos apresentar, alguma vez na vida, algum tipo de distorção cognitiva e saber detectá-las e analisá-las nos ajudará a ter a mente mais clara, desenvolvendo atitudes mais realistas e, acima de tudo, positivas.

Fonte: A Mente é Maravilhosa

Vamos lá

Eu tenho uma péssima mania.

Sempre fui boa em muitas coisas, porque me esforço muito, gasto tempo e já perdi diversas noites me aperfeiçoando. Ok. Legal. Mas quando falho ou tenho dúvidas: esqueço tudo de bom que sou, ou que fiz, e me desqualifico completamente.

Exemplo: sabendo de vários códigos e desenvolvendo bastante softwares, quando tenho uma dúvida muito severa, acho bobo, me acho burra.. Sendo que sei que sou inteligente e esforçada, porque já me provei isto várias vezes e continuo me provando a cada dia.

Olha que loucura. É nítido que sei a verdade, mas meu cérebro simplesmente mente pra mim, daí me sinto realmente mal e super culpada.

Analisando as distorções cognitivas, que no caso gabaritamos praticamente a lista inteira no decorrer de nossas vidas, gostaria de te mostrar o nome dessa minha péssima mania.

Ela se chama: DESQUALIFICAR O POSITIVO.

Tente se imaginar na história que criei a seguir:

Você está no metrô. Se sente muito arrumado, cheiroso e bem vestido, usando o estilo que mais gosta. Alguém do nada te olha diferente, com aspecto sério ou até mesmo assustado.

Logo você pensa: — Será que estou feio? Será que tem algo errado comigo?

Tem-se a certeza de que, ao sair de casa, você se olhou no espelho e saiu bem arrumado. Porém, dependendo de como está sua mente, este pensamento te afeta completamente.

Dependendo do que está indo fazer neste exato momento (talvez um encontro, uma entrevista ou até mesmo um dia normal no trabalho), você se sentirá muito mal, pra baixo. E se bobear, pode perguntar a alguém se há algo de errado contigo e, mesmo a pessoa dizendo que não, que está super bem, você vai querer ir pra casa, se esconder por se achar um lixo.

Qual o motivo? Um olhar.

Um simples olhar de alguém que pode até ter te achado uma pessoa bonita, bem arrumada.

Ou o olhar de alguém que não estava num dia bom.

Ou a pessoa olhou e percebeu que você se parece alguém que ela conhece.

Ou alguém simplesmente viu a televisãozinha atrás de você no metrô e nem sequer te enxergou.

Ou…

Ou…

… Entende que existem inúmeras possibilidades?

Só que, neste contexto, você se sentiu mal e se achou a pior pessoa do mundo ou até mesmo a mais horrenda. Desqualificou todo seu positivo por algo que nem sabe o que realmente foi.

Às vezes, até se sabe o que ocorreu e mesmo assim o pensamento é completamente desqualificado. Quer ver outra história?

Tente se encaixar agora neste outro contexto.

Você está no trabalho e redigiu um texto, como sempre faz. É o seu trabalho, portanto seu ganha-pão. Você produz diariamente diversos textos e o seu pique é rápido.

Um belo dia, você não estava bem. Acordou com um mal estar que não sabe explicar. Talvez seja cansaço. Talvez seja apenas um dia que sabe que será estressante, daí não dormiu direito. O fato é que você está indisposto e não consegue produzir, como normalmente faz.

Você se sente um lixo e um péssimo profissional. Esquece de todas as coisas que já produziu e se considera inútil, improdutivo e um completo incapaz, ignorando o fato de que está indisposto.

E se caso lembrar da indisposição que sente, não se vê no direito de ‘não produzir’.

Percebeu que neste caso você aparentemente sabe a origem do problema? Não estava bem e, como qualquer pessoa normal, não produziu direito.

Mesmo assim, sua mente fielmente acreditou que você é incapaz e o fez se sentir frustrado.

Identificação básica

Agora, eu te pergunto: quantas vezes você se viu agindo semelhantemente nas histórias contadas?

Se sua resposta é “pelo menos uma” tenho que te dizer que você também já desqualificou o positivo e pode ter sido apenas uma fase de sua vida, como o texto que citei no início diz que pode acontecer.

Caso tenha se visto diversas vezes em situações parecidas, você pode possuir a mesma ‘mania’ que a minha.

De cara, minha dica é: procure saber como anda sua saúde mental. Pois, realmente, pode ser patológico e necessitará de um tratamento profissional.

Mas também estou aqui para te dar dicas que possam servir como apoio. Apoio de alguém que luta contra tudo isto.

Preparado?

Qualificando o positivo

Basicamente, montei um esquema que me ajuda muito.

Pra começar, preciso identificar a situação, buscar analisá-la com calma e, tendo conclusões plausíveis, questionar o pensamento pra depois injetar a verdade no meu cérebro, a fim de que ele não reproduza a mentira. E, caso ainda reproduza, eu não acredite nela.

É mais ou menos assim:

Preciso ser fria ao analisar.

Então, sem delongas, a situação acontece. Consequentemente gera pensamentos. Para cada pensamento, preciso identificar se é positivo ou negativo e isso é fácil: basta se perguntar “Qual o impacto que esse pensamento gera em mim?”.

Positivo identificado: ótimo! Você está de parabéns! Bola pra frente.

Negativo identificado: Tudo bem. Preciso desqualificar este pensamento negativo para que se torne um positivo qualificado. É como um jogo de verdade e mentira.

Vamos às histórias que contei:

1. Situação: Alguém me olhou no metrô.

Pensamentos gerados: Estou desarrumado, feio.

Impactos que esses pensamentos geram em mim: Baixa autoestima. Tristeza. Preocupação excessiva.

Impactos: Negativos. Logo: Pensamento negativo.

Como posso desqualificar isto?

  • Já perguntei Fulano se há algo de errado comigo e a resposta foi não. Ok, então não tem motivo pra eu me sentir mal.
  • Estou feliz com meu estilo e com o que visto. Não preciso me importar com o que as pessoas pensam.
  • Ok. Uma pessoa no mundo olhou pra mim e não gostou. Problema dela.
  • Eu não sou feia. Eu gosto de mim.
  • E daí se pra esta pessoa estou feia? Minha mãe me ama. E existem outras pessoas que me amam do jeito que eu sou. E se não amassem, eu preciso aprender a me amar.

2. Situação: Acordei indisposto, portanto hoje estou improdutivo no trabalho.

Pensamentos gerados: Sou um lixo, incapaz. Não faço nada direito.

Impactos que esses pensamentos geram em mim: Tristeza, sensação de impotência e inutilidade.

Impactos: Negativos. Logo: Pensamento negativo.

Como posso desqualificar isto?

  • Eu sou assim TODOS OS DIAS? Se a resposta for não, não tenho porque me sentir mal, pois sou humana. Se a resposta for sim, preciso buscar melhorar.
  • O que está me gerando improdutividade? Poxa… um mal estar. Sou biônica? Não. Então não tenho porque me achar uma péssima profissional, quando existe um fator no meu corpo que me impede de fazer as coisas.
  • Qual meu histórico de trabalho? Quais os feedbacks que tenho recebido? Estou indo bem.

Percebe que rapidamente conseguimos criar qualificações para o nosso positivo?

Não é a opinião de UMA pessoa que vai nos desqualificar totalmente, mesmo que esta pessoa seja você mesmo (e normalmente é).

A questão é que você precisa analisar o que sente, o que pensa e injetar questionamentos sobre os pensamentos negativos para que perceba a verdade que está à sua frente e, a partir daí, acreditar somente nela.

Olha um recado meu aí:

Sim! É possível gerar verdades a partir das distorções cognitivas. É você quem luta e é você quem vence ou se deixa vencer.

Não consegui, e agora?

Tenho fama de ser “preocupada demais”. E tenho aprendido a ficar mais tranquila quando a neura bate à porta. Qualifico meus pontos positivos, pois a vida inteira me esforcei pra que eles existissem… poxa, estudei pra caramba, trabalho com dedicação e responsabilidade, cuido da minha aparência, do meu corpo, da minha mente, faço terapia, estou em dia com meu médico, alimentação e exercícios.

Bla bla bla bla bla… Existe motivo pra eu me desqualificar por causa de determinadas situações? Não.

Não existe motivo. E se tenho “pontos negativos”, que prefiro chamar de “pontos de melhora”, preciso abraçar o desafio para corrigi-los e me tornar cada vez melhor. Até porque eu sempre digo que vivemos para evoluir. E assim, a lista de esforços feitos vai crescendo, aos poucos.

Agora, se mesmo assim, sentir que o pensamento está sem solução — e acontece — respiro fundo e me faço a seguinte pergunta:

Que graça teria a vida se fôssemos todos perfeitos?

Após esta pergunta, meu coração se acalma e eu entendo que estou fazendo sempre o meu melhor.

Isso é lutar.

E, se luto: sou forte, tenho garra e motivos pra sorrir. Sou top!

Obrigada pela leitura.

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Marina Pelosi

Escrevo sobre o que vivo ou vivi. Foi uma das formas que encontrei para me sentir bem.